Essa é uma das frases que mais ouvimos dos dirigentes de empresas varejistas, em diferentes ramos de atuação. Talvez por estar excessivamente envolvido naquele negócio, cristaliza-se a visão de que seu segmento específico de atuação é único, diferente de todos os outros, e por aí vai. É certo que cada empresa possui características únicas, que inclusive podem torná-la capaz de obter vantagem competitiva no mercado. Essa, inclusive, é uma das bases teóricas da RBV (resource based view), uma das correntes em estudos de estratégia. Entretanto, algumas características empresariais, e mesmo do segmento de atuação, são muito mais comuns do que se pensa. E essa é uma das bases de outra corrente de estudos em estratégia: a economia industrial, cuja principal referência é Michael Porter.
A RBV enxerga a empresa como um conjunto de recursos, que quanto mais raros, valiosos, não-imitáveis e de difícil substituição, mais chances a empresa possui de alcançar vantagem competitiva. Na RBV, o ambiente é menos determinante e os recursos são a chave do sucesso. Já Porter enxerga a empresa como um conjunto de atividades, a famosa cadeia de valor, e diz que a vantagem competitiva seria alcançada como decorrência de um posicionamento único adotado no mercado. Na visão porteriana, esse posicionamento deve trazer benefício ao consumidor, seja por preço baixo, seja por diferenciação. Essas talvez sejam duas das principais correntes em estudos sobre estratégia. Mas, embora com abordagens diferentes, tanto a RBV como Porter compartilham pelo menos um ponto em comum: a vantagem competitiva só será sustentável se houver ajuste (fitness) na gestão dos recursos (RBV) ou das atividades (Porter) Assim, a palavra-chave que pode unir as duas correntes sobre estratégia expostas acima poderia ser “processos“.
Então qual o problema? O problema é quando o argumento “meu negócio é diferente” é adotado para explicar o porquê de determinadas definições estratégicas do seu modelo de gestão, sem considerar (ou entender) o todo. É quando essa argumentação vira mecanismo de defesa para desidratar sugestões de mudanças. Ou, pior, quando é utilizada para justificar o quanto é complexa a gestão da empresa. E, quanto mais perto da árvore, mais difícil enxergar a floresta. A visão sistêmica, capacidade tão procurada atualmente nos líderes, se perde nos incêndios administrativos do dia-a-dia, e os processos ficam ocultos numa complexa teia de ineficiência, que cataliza tudo e todos. Sobram perguntas e faltam respostas. A visão do processo é uma questão importantíssima para a gestão empresarial como um todo, e, no varejo, para a gestão de mercadorias em particular.
Em uma empresa varejista, a área de gestão de mercadorias é talvez a mais abrangente, do ponto de vista de processos de negócios. Em uma visão mais ampla, como adotamos na GS&MD - Gouvêa de Souza, trata-se de um processo que envolve não somente os elementos para a composição do sortimento a ser comercializado, como ciclo de vida, precificação e marcas; mas também as questões relativas a abastecimento e logística, até a adequada disponibilização das mercadorias nos pontos de venda. Obviamente, as empresas varejistas executam esse processo, de alguma forma. Mas é preciso avaliar como as diferentes etapas se interligam, e, principalmente, quais os impactos nas demais áreas da empresa. A partir daí, por meio de uma gestão competente, fazer os ajustes para que o funcionamento de cada etapa torne o todo maior do que a soma das partes.
Percebe-se diversos efeitos perversos do desajuste nos processos de negócios na área de gestão de mercadorias. Para ficar somente em dois deles: caixa da empresa e clientes. Quanto mais desajustados esses processos, maior a necessidade de estoques, sob pena de não realizar a venda planejada. Como a relação “estoque x venda” não é linear, aumentar os estoques vai ficando cada vez mais caro, sem a necessária contrapartida de vendas. O aumento de estoques drena o caixa da empresa. Sabem-se rapidamente os efeitos, mas ignoram-se as causas; e, pelo sim, pelo não, colocam-se cada vez mais mercadorias para dentro. Entretanto, mais estoques não significam necessariamente estoques adequados, e os clientes percebem isso. E o que pode ser pior: percebem e não falam, simplesmente vão para o concorrente procurar a marca desejada, o tamanho necessário, o preço que cabe no bolso, a garantia esperada etc.
Obviamente os efeitos negativos dos desajustes processuais são muito mais amplos. Aqui mesmo, neste espaço, já explorei, direta ou indiretamente questões que podem ser agrupadas sob o guarda-chuva de um “modelo de gestão de mercadorias”. Tenha certeza: mesmo que as empresas varejistas sejam diferentes, de ramos distintos, os conceitos por trás de um modelo de gestão de mercadorias são extremamente parecidos. Então, por mais diferente que seja o seu negócio, seja qual for a corrente estratégica adotada, o ajuste proporcionado por tal modelo de gestão de mercadorias é capaz de trazer pelo menos um melhor entendimento dos porquês, para apoiar futuros planejamentos.
E, cá entre nós, no panorama atual, isso já seria um tremendo ganho de competitividade.
Ivan Corrêa (ivan@gsmd.com.br), sócio diretor da GS&MD e líder das práticas de gestão de mercadorias da Unidade de Consultoria de Operações
DATA E VAREJO
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