domingo, 25 de julho de 2010

GESTÃO - Hora da virada no Flamengo


Trazer o maior craque da história do time rubro-negro de volta foi apenas a primeira jogada de Patrícia Amorim, a nova presidente do clube. Agora, ela quer sanear as finanças do time carioca e transformá-lo em um modelo de gestão
Marta Barcellos
Esta reportagem, publicada na edição impressa da Pequenas Empresas & Grandes Negócios de julho/2010, foi finalizada antes do caso do goleiro Bruno, do Flamengo, vir à tona. Nesta matéria, não abordamos esse tema, mas sim os desafios de gestão de Patrícia Amorim, a nova presidente do clube. Você pode acompanhar o "caso Bruno" no site da revista Época.
Desde que deixou os gramados, consagrando-se como o maior jogador da história do Flamengo, Zico recusava convites para assumir cargos no clube. Parecia inflexível, até o apelo partir de uma mulher que ele conheceu ainda menina, nas piscinas do Flamengo. Naquela época, enquanto o craque fazia sessões de fisioterapia na água, Patrícia Amorim aproveitava o tempo livre não para pedir autógrafos, mas para vender rifas. Ajudar a equipe de natação, que ela naturalmente liderava, era a sua motivação. “Ela já se mostrava uma bela administradora”, diverte-se Zico, diante da recordação dos seus primeiros contatos com a atual presidente do Clube de Regatas do Flamengo.

Empossada em janeiro de 2010, Patrícia marcou o primeiro gol de sua gestão ao conseguir cooptar Zico para assumir a direção do futebol, em junho. O reconhecimento veio até dos torcedores mais fanáticos, reticentes com a eleição de Patrícia, mais associada aos esportes olímpicos do que ao futebol. A ex-atleta não esconde o alívio por passar o bastão do futebol a Zico, depois de seis meses experimentando o clima de intrigas relacionadas a jogadores, contratações e escalações. Não que ela não esteja acostumada aos ambientes competitivos. Como nadadora, Patrícia acumulou 28 títulos de campeã em diversas modalidades; como vereadora pelo PSDB, lutou pelas causas esportivas durante três mandatos consecutivos na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Foi o estilo forjado na política dos esportes que ela levou para a gestão do clube. “A Patrícia tem um jeito peculiar de convencer os outros”, conta Cristina Callou, vice-presidente de esportes olímpicos do Flamengo e amiga desde que as duas começaram a nadar juntas, aos 7 anos. “Ela ouve todo mundo, deixa falarem bastante, e no final explica por A mais B por que vai fazer da maneira que ela considera melhor.” Sua diplomacia foi fundamental para trazer Zico de volta. “Aceitei o convite por causa da credibilidade da Patrícia, porque vi equilíbrio e ponderação em suas palavras”, diz o jogador.

Mas somente diplomacia não seria suficiente para garantir o retorno. O “link” que viabilizou a contratação do craque foi financeiro e envolveu uma parceria com patrocinadores — uma operação rotineira em clubes de futebol, quase sempre donos de pesados passivos, principalmente trabalhistas. No caso do Flamengo, Patrícia recebeu o clube com uma dívida de cerca de R$ 350 milhões: ela vive diariamente o desafio de aumentar receitas e reduzir despesas. Nas reuniões com o vice-presidente de administração, Michel Levy, as discussões são sempre tensas. “Pegamos o time com muitos problemas. Foi uma vitória colocar os salários e contas em dia”, diz Levy. “Às vezes nos vemos numa ‘escolha de Sofia’”, completa Patrícia. “Temos de optar entre pagar uma pendência jurídica ou o salário de um atleta.”

Levy faz parte do clima competitivo ao qual Patrícia está acostumada. “Aqui todo mundo grita. Acho ótimo, porque desperta em mim uma capacidade de controle, e aí mando as pessoas se acalmarem”, diz ela. Além de renegociar dívidas e colocar salários em dia, a dupla formada por Patrícia e Levy implementou outra medida urgente: acabar de vez com as contas atrasadas. “Havia uma cultura de deixar atrasar. Até que Levy ameaçou demitir quem trouxesse conta vencida”, diz.

Para sanear as finanças do Flamengo, Patrícia decidiu ir atrás de especialistas. Mas nem sempre era possível acenar com um belo salário — alguns cargos, como as vice-presidências, não são remunerados. Por isso, a opção foi invocar a paixão de torcedores-empresários. Foi assim que, depois de conquistar Zico, ela convocou o empresário Alexandre Wrobel, flamenguista e sócio da Construtora Wrobel, para a vice-presidência de patrimônio. O cargo foi recriado depois que os primeiros levantamentos constataram o abandono de muitos ativos, como uma antiga concentração em São Conrado e 40 apartamentos vazios no Morro da Viúva, no bairro do Flamengo. “Como ele tem conhecimento de causa, irá fazer uma análise e descobrir como esse patrimônio pode render”, explica.

Uma auditoria financeira completa já começou a ser feita pela consultoria KPMG. “Na primeira reunião, eles brincaram, dizendo que precisávamos fundar o clube de novo”, conta Patrícia. Outra orientação importante virá da equipe coordenada pelo consultor Vicente Falconi, do Instituto de Desenvolvimento Empresarial (INDG), cuja contratação está sendo viabilizada por outra opereção de captação de recursos. “Ele tem experiência em sanear finanças, reduzindo despesas e aumentando receitas em pouco tempo.” A baixa receita com o licenciamento de produtos — apenas R$ 1,7 milhão no ano passado, um terço do faturamento do São Paulo Futebol Clube — é apenas a face mais visível de um dos problemas do time: o mau aproveitamento do principal ativo, os torcedores.

Organizações privadas sem fins lucrativos, os clubes de futebol não são empresas, embora devam ser administrados como tal. “O grande desafio dos clubes, hoje, é profissionalizar a gestão”, diz Ronaldo Chataignier, coordenador do Núcleo de Estudos em Esportes da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Como os cargos só são remunerados a partir do nível de diretoria, as vice-presidências acabam acomodando interesses políticos”, diz. “Daí a semelhança com as organizações da esfera pública.” Se os clubes fossem transformados em empresas, diz ele, a maioria iria à falência, por conta dos enormes passivos construídos no passado. “As receitas são elevadas, mas as despesas são altíssimas, por causa da remuneração dos atletas e de todo o staff por trás deles.”

O aspecto financeiro, no entanto, não é o único complicador na gestão de um clube. Mesmo as diretorias mais profissionalizadas conhecem o dilema que acompanha o dia a dia dessas organizações: nem sempre um bom planejamento estratégico, que contemple o saneamento das finanças, se reflete no desempenho do time. “É preciso resistir às pressões para rasgar o planejamento e fazer a contratação milionária que poderá levar ao título”, diz Chataignier.

É nessa hora — o dia seguinte a uma derrota — que um torcedor pode interromper o almoço em família de Patrícia para palpitar sobre a escalação do time. “Essa é a pior parte”, diz. “Algumas pessoas perdem a noção.” Por outro lado, a presidente sabe da importância para o negócio desse torcedor fanático, que pode se tornar sócio e consumidor. “Gestão e resultado são coisas separadas. Meu papel é reinvestir o lucro, dando estrutura para o time entrar em campo, na quadra, na piscina. Mas o grande negócio de um clube é a paixão. Aí vem a questão: como se administra paixão?” Patrícia tem um mandato de três anos para descobrir. Mas, a julgar pelos primeiros lances do jogo, ela já encontrou a melhor estratégia para chegar ao gol.

3 LIÇÕES DE GESTÃO Uma boa rede de contatos, um aparato de especialistas e a estratégia certa para as finanças. Eis a receita de sucesso de Patrícia Amorim:

NETWORKING
“O mundo é corporativo. Quanto mais relações, mais fácil é sair de uma situação adversa.”

ESPECIALISTAS
“É fundamental se cercar de pessoas que conhecem o assunto melhor que você. Se quero contratar um pivô para o time de basquete, tenho que ouvir muita gente.”

CLAREZA
“Quando atleta, ouvi muitas vezes que o time não tinha dinheiro, e ponto final. Hoje, chamo para conversar, explico por que a prioridade no momento é outra e digo qual é a estratégia para conseguir aquele recurso.”

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