quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Depois de usar linha de crédito mais barata, brasileiro entra no especial

Com o acesso às linhas de crédito mais baratas praticamente esgotado, os brasileiros estão se dependurando em dívidas de curto prazo, como o cheque especial. Diante desse movimento, os bancos não fizeram por menos: aumentaram as taxas de juros para tirar proveito da necessidade dos consumidores de fecharem o orçamento doméstico. Segundo informou ontem o Banco Central, o custo médio do cheque especial atingiu, em julho, o nível mais alto dos últimos 12 meses, cravando 167,3% ao ano. Desde maio, essa modalidade de financiamento ficou sete pontos percentuais mais cara.

Quem também está precisando recorrer ao crédito pessoal vem sendo obrigado a arcar com juros maiores. Ainda que a elevação tenha sido menos pesada, a taxa média passou, de junho para julho, de 42,0% para 42,2% anuais. Mas é importante fazer uma ressalva: os juros dos empréstimos pessoais subiram menos porque, neles, está embutido o custo do crédito consignado, um dos mais baixos do mercado. As taxas do financiamento com desconto em folha até apresentaram queda de 0,3 ponto em julho, de 27,1% para 26,8% ao ano. O problema é que os potenciais tomadores já chegaram ao limite máximo de comprometimento da renda, de 30%, permitido por lei para esse tipo de dívida. Ou seja, no sufoco, o que resta é correr para débitos mais caros.

Os bancos não se fazem de rogados. Pelos dados divulgados pelo BC, ficou claro que o custo de captação — o que as instituições pagam aos clientes nos seus investimentos — não subiu. O que aumentou foi o spread, a diferença entre a taxa paga aos poupadores e o que é cobrado dos devedores. A maior parte do spread se transforma em lucro. Na média, os juros às pessoas físicas bateram em 40,5% ao ano, dos quais 28,9 pontos são spread (em junho eram 28,6 pontos).

Empresas sofrem

As famílias não são, porém, as únicas punidas pelo aumento dos juros. Também as empresas estão pagando mais pelos financiamentos. Nos descontos de duplicata, a taxa subiu 2,7 pontos de junho para julho, chegando a 41,1% ao ano. Na conta garantida, o cheque especial do setor produtivo, o aumento foi de 6,8 pontos, com os juros passando de 85% para 91,8% ao ano. É a taxa mais elevada para esse tipo de empréstimo desde abril de 1999.

Para Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico do BC (Depec), o encarecimento súbito do crédito se deve à carteira remanescente das operações realizadas pelos bancos com recursos livres. “Está havendo uma acentuada migração das empresas do crédito livre para o direcionado, que tem taxas muito mais baixas”, afirmou. Ele acrescentou que as companhias que ficaram no crédito livre não podem fazer tal migração e, nesse caso, o risco das instituições é maior, o que resulta em juros mais altos. O BC não revela, porém, as taxas do crédito direcionado.

Apesar da ânsia por empréstimos e financiamentos, consumidores e empresas estão conscientes da alta dos juros e, por isso, vêm tirando o pé do acelerador. No total, o volume de crédito fechou julho em R$ 1,54 trilhão — aumento de 1,2% no mês e de 18,4% em 12 meses. O BC estima para o ano um aumento de 20%, com a relação crédito/PIB ( Produto Interno Bruto), hoje em 45,9%, atingindo 48%.

Em boa parte, esse desempenho será sustentado pelos repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em julho, as liberações da instituição aumentaram 4,7% e, em 12 meses, 45,4%. No mesmo ritmo, o BC só computa o financiamento habitacional, com crescimento de 4% no mês e de 51,1% em 12 meses. Os demais financiamentos crescem a taxas muito pequenas ou mesmo caem. É o caso da conta garantida. Em junho, as concessões acumuladas (novos empréstimos) somaram R$ 27,3 bilhões e, em julho, R$ 22,8 bilhões — menos 16,5%.

Descompasso

No que depender do profissional liberal Raimundo Nonato de Carvalho, 59 anos, o volume de crédito vai cair. Ele só faz compras à vista. “Sou um cliente chato, gosto de pechinchar. Pagar prestações não é comigo”, disse. Já o gari Antonio Dantas, 51, está atolado em dívidas. Segundo ele, mais da metade dos R$ 510 que ganha por mês está comprometida com débitos. “Eu sempre compro parcelado porque não tenho dinheiro para pagar à vista.” A última coisa que ele levou para a casa foi um celular, cujas parcelas se somaram ao IPTU e aos carnês de eletrodomésticos. Para conseguir fechar o orçamento, conta com a ajuda da mulher e das filhas. “Sozinho, não dou conta.”

Funcionária de uma padaria, Rita Granjeiro, 20, também corta um dobrado para garantir as prestações que consomem mais de 50% do salário mínimo que recebe mensalmente. “Pago meus óculos, meu celular e as compras para o meu filho”, ressaltou. A despeito do sufoco, ela disse não se intimidar na hora de comprar os produtos de que gosta, independentemente das taxas de juros.

onfiança em alta

O recorde na geração de empregos durante o primeiro semestre, somado ao contexto de aquecimento econômico, ajudou o Índice de Confiança do Consumidor (ICC) a alcançar 120,8 pontos em agosto, o que representa um aumento de 0,7% em comparação com o mês passado. O resultado é o melhor desde setembro de 2005, início da série histórica elaborada pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Os números positivos foram puxados pelo ímpeto para compras de bens duráveis: a parcela de consumidores que pretendem comprar nos próximos seis meses subiu de 14%, em julho, para 16,6%, neste mês. De acordo com a coordenadora da sondagem de expectativas do consumidor da FGV, Viviane Seda Bittencourt, a confiança recorde é um reflexo do alto índice de postos de trabalho com carteira assinada observada no primeiro semestre. “Com mais vagas ocupadas, os efeitos do aumento na renda começaram a ser percebidos”, disse.
Fonte: Correio Braziliense Online

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