terça-feira, 16 de novembro de 2010

Indústria e comércio tentam fisgar a classe média neste fim de ano

As empresas já estão a postos para satisfazer todas as necessidade da classe média neste fim de ano. Nas fábricas e no comércio, a ordem é fazer turno extra para não deixar faltar nada a um exército de 103 milhões de brasileiros que, ao longo de 2010, deverão gastar pelo menos R$ 580 bilhões. Nas contas dos especialistas, essa camada da população, classificada como classe C, já responde por mais da metade do faturamento de muitas companhias e tem garantido aumento de até sete vezes nos lucros em relação a 2009. Ávido por consumir, esse público não quer apenas quantidade. Quer produtos de boa qualidade a preços acessíveis.

A classe C representava 37% da população em 2003. Neste ano, pela primeira vez, passou a ser maioria no país. Segundo o Ministério da Fazenda, deverá chegar a 56% do total de brasileiros em 2014 em consequência, principalmente, do aumento do salário mínimo, da formalização do mercado de trabalho, do controle da inflação e do acesso ao crédito. São pessoas simples que conquistaram um lugar ao sol. “Há 10 anos, eu não tinha o que comer. Morei em um barraco de fundo que dividia com as galinhas”, conta a paraense Maria da Glória Sarmento Tavares, 43 anos, proprietária de espaçosa e confortável casa na Cidade Ocidental de Goiás. Tem carro novo na garagem, computador, TV a cabo e farta mobília, comprada em 12 vezes.

É a capacidade de consumo de pessoas como Maria da Glória que está provocando uma revolução nas empresas. Se antes o foco estava voltado para as classes A e B, que garantiam o crescimento dos negócios, hoje é população de renda média a responsável por saltos de dois dígitos no faturamento. Na multinacional Nestlé, enquanto as vendas para mais abastados avança a uma taxa próxima de 5% ao ano, entre os emergentes o crescimento é superior a 10%. Somente no ano passado, a classe média despejou R$ 1,3 bilhão nos cofres da companhia de alimentos.

Concentração

Para não perder o foco desse público, a Nestlé criou, há cinco anos, a diretoria de Regionalização e Base da Pirâmide, que trata só de ações específicas para tal camada da população. “Em julho deste ano, criamos o primeiro mercado flutuante do país, um barco que percorre 18 cidades da Região Norte e atende 800 mil pessoas”, conta Alexandre Costa, diretor da área. Segundo ele, a empresa barateou produtos como água mineral, iogurte e biscoito, antes proibitivos aos mais pobres, por meio de embalagens compactas.

Algumas companhias, porém, já nasceram com o objetivo de atender a esse público e os novos desejos de consumo, como trocar as viagens de ônibus pelas de avião. Foi o caso da Webjet, aberta em 2005. “Procuramos sempre ter os preços mais baixos em todas as rotas. E não são promoções temporárias”, garante Fábio Godinho, presidente da companhia.

De olho nesse filão, de 10 de dezembro em diante, a Webjet passará a atuar em novas rotas, com voos diários diretos dos aeroportos de Confins (MG), Porto Alegre e Brasília a partir de R$ 29, com pagamento à vista ou em até 36 parcelas. Na avaliação de Godinho, o processo de mobilidade social vivido pelo Brasil é irreversível.

Seduzidos pela tecnologia

Não só de produtos básicos vive a nova classe média, que tem maioria jovem e negra. Um povo que sofre menos de excesso de peso que os mais ricos e entre os quais 32% das mulheres são chefe de família, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os emergentes querem conforto e bem-estar. “Compro o que posso com o que ganho. Anoto tudo, para não estourar o orçamento. Ainda tenho prestações a pagar, mas tão logo elas acabem, vou comprar uma cama nova. Trabalho o dia todo. Tudo o que quero é conforto quando chego em casa”, afirma a babá Ceci da Costa Santana, 47 anos.

Ceci saiu do Tocantins aos 15 anos. Em Brasília, teve dois filhos e ganhou uma casa em Samambaia. Há cinco anos, aproveitou os juros mais baixos e os prazos mais longos de pagamento para fazer uma reforma. Mudou tudo: trocou cerâmica, pintou, ampliou e ainda construiu um cômodo separado para o filho, cuja mulher logo terá um neném. “Agora, quero relaxar vendo tevê”, brinca. Ela tem um serviço de canais de tevê por assinatura, telefone fixo e internet. Três produtos na mesma conta, criados pela Net — antes uma das campeãs em reclamações nos órgão de defesa do consumidor, mas que aprendeu que perderá cliente se não seguir os novos padrões.

Novidades

“Hoje, a Net tem programa de aperfeiçoamento de qualidade, atende a todos os clientes com serviço individualizado entre 12 e 24 horas”, diz Wanda Alves Pereira, diretora de Operações em Brasília. Segundo ela, só na capital federal, foram investidos R$ 24 milhões neste ano em expansão de cabos para chegar até a classe C. Mas outras empresas de tecnologia também adaptaram seus produtos ao público ávido por novidades.

Foi o caso da Positivo Informática, que simplificou toda a sua linha de mercadorias e se tornou líder no segmento de tecnologia educacional. Vendeu 521,8 mil computadores no terceiro trimestre de 2010, segundo maior volume da história da companhia. Entre janeiro e setembro, foram 1,4 milhão de unidades, mais 10,3% sobre o mesmo período de 2009. “Muitas coisas foram feitas para beneficiar o consumidor com pouca familiaridade com tecnologia. Nossos manuais são em linguagem acessível”, diz Adriana Flores, diretora de Desenvolvimento de Produto da empresa.

Desde 2007, a Positivo vem observando as mudanças vividas pela classe C e fez alterações em sua linha de produtos. “Foram mudanças simples, mas práticas. Pouca gente que comprava nossos produtos tinha carro e era difícil transportar o computador de ônibus. Colocamos, então, uma alça”, conta. Criaram-se também conteúdos específicos para a família, como receitas de culinária com ingredientes da cesta básica e um guia de profissões para estudantes. “Como hoje o notebook é o objeto mais cobiçado, o nosso já vem com 3D, os óculos e antivírus grátis por um ano”, complementa.

Mais do que luxo

Para atrair mais clientes da classe média, a Claro desenvolveu pacotes de serviços pré-pagos. Com base em pesquisa realizada no primeiro semestre deste ano, fez mudanças na mecânica de promoção e até na forma de comunicação com esse público. A Claro descobriu que os usuários de celular pré-pago têm vários chips e criou a campanha. “Queremos que nosso chip seja o primeiro na escolha desse cliente”, disse Patricia Kastrup, diretora de Marketing da operadora. Os telefones celulares não são porém, para uso pessoal. Transformaram-se em gêneros de primeira necessidade para quem trabalha duro e precisa, ao mesmo tempo, organizar a vida doméstica.

Carros, viagens e casa própria

Depois da casa própria e da educação dos filhos, a classe média almeja o carro novo e viajar pelo mundo. Estudos do Banco Santander comprovam que sete milhões de famílias não têm automóvel, mas poderiam comprá-lo. A parcela mensal necessária para financiar a compra caiu 25,77%, de R$ 799,82, em junho de 2003, para R$ 593,68, em agosto de 2010. A redução de R$ 206,14 decorreu da baixa das taxas de juros, que estão no menor patamar desde 1994, compensando o aumento dos preços dos veículos.

Gercina Ramos da Silva, 56 anos, depois de mais de 20 de trabalho em casas de família, comprou um carro, ano 2006, com entrada de R$ 4 mil e 60 prestações de R$ 684. Com carteira assinada e comprovante de residência, juntou a renda dela e do filho e decidiu que era a hora de se dar um presente. “É para isso que a gente trabalha. Como, agora, a situação melhorou e há maior facilidade para financiamento, criei coragem”, conta. Ela garante que a disposição para o consumo continua firme. “Quero tudo o que me dê conforto e esteja dentro do meu orçamento. Só não darei passos maiores do que a perna”, diz.

Não foi à toa que a montadora francesa Renault, que sempre atendeu às classes A e B, ampliou o seu leque e passou a produzir carros talhados para a classe C. Estudos realizados pela empresa constataram que é nesse público que reside a maior fatia para crescimento na demanda. As empresas que não se atentarem para isso estarão fadadas ao fracasso.

Essa visão é compartilhada pelo fabricantes de motocicletas. Tanto que a Moto Honda inaugurou uma nova fábrica com capacidade de produção de 500 mil unidades por ano, elevando o potencial de vendas para 2 milhões de unidades por ano. Segundo Roberto Akiyama, diretor comercial da Moto Honda Amazônia, o aumento da produção veio acompanhado de maior facilidade de pagamento. A empresa oferece financiamento de 12 a 72 meses nos modelos de até 150 cilindradas, que representam 90% do volume de vendas. “Além de ágil e econômica, a moto pode se tornar importante fonte de renda”, justifica Akiyama.

Hotéis comemoram

Mas não é só. A expansão do emprego e da renda tem deixado a população mais confortável para viajar e a taxa média de ocupação dos hotéis do país está em cerca de 70%. Os grandes grupos passaram a construir empreendimentos com quartos e serviços mais enxutos, que se encaixam no orçamento da nova classe média.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), Álvaro Brito Bezerra de Mello, revela que, com o reforço da classe média — mais de 30 milhões de pessoas engrossaram esse contigente nos últimos cinco anos —, o setor vem crescendo a uma taxa média de 7% desde 2008. O executivo conta que o grupo Accor deve construir, nos próximos três anos, cinco hotéis somente no Rio de Janeiro, nos padrões duas e três estrelas. “As classes C e D são uma realidade. As pessoas estão empregadas e o dinheiro está circulando. Os hotéis em todo o país estão lotados”, assegura.

A crescente demanda por hospedagens menos luxuosas também chamou a atenção do Brazil Hospitality Group (BHG), que administra 5.704 quartos, em 32 edifícios. Segundo o diretor de Vendas e Marketing, André Lameiro, o grupo deve construir mais quatro mil quartos nos próximos anos, sem grandes mordomias, que se enquadram no orçamento da classe econômica.

Importados ganham força

Com a classe média ávida por consumir, os produtos importados estão ganhando relevância nas prateleiras dos supermercados. Nas contas dos empresários, com o dólar em baixa, carros, televisores, computadores, celulares, roupas e tênis já representam cerca de 30% da oferta no país. E as previsões são de que as importações aumentem. Na primeira semana de novembro, somaram US$ 694,0 milhões por dia, 15,3% acima do registrado no mesmo período de 2009 (US$ 602,1 milhões).

Trabalhadoras exigentes

A ascensão da classe média está provocando um movimento de leve sofisticação nos produtos colocados à venda. Segundo Andréa Beatriz, gerente-geral de Marketing das Lojas Marisa, trata-se de uma evolução, reflexo do maior poder de compra. Ela conta que, dos clientes da empresa, 85% são mulheres e, delas, a maioria da classe C. Para não ver esse público migrar para a concorrência, há três anos, a rede varejista investiu em moda, criou modelos diferentes e de qualidade superior, ampliou a oferta de crédito e os segmentos infanto-juvenil e masculino. O slogan “De Mulher para Mulher” virou uma febre e facilitou o contato com a nova e exigente trabalhadora. Até o fim do ano, serão inauguradas mais seis lojas Marisa Lingerie. Uma delas, em 20 de novembro, no Conjunto Nacional de Brasília.

Apesar de não compartilhar da euforia da maioria dos setores empresariais, que apostam tudo na demanda da classe média, o segmento de água mineral, até então um luxo para a maioria dos brasileiros, refaz as contas e projeta crescimento do consumo. Trata-se de um avanço e tanto, já que a produção ainda é maior do que a demanda. Ou seja, há sobras do produto.

Segundo Martin Ruette, diretor-geral da Água Mineral Lindoya, para permitir que um número maior de pessoas possa beber água mineral, o governo deveria dar um ajuda e reduzir os impostos do setor, que, nos últimos anos, passaram de 5% para 27%. A seu ver, a menor carga tributária permitirá a redução de preços e atrairá mais consumidores. O mercado de águas, ressalta ele, está pronto para atender uma explosão do consumo. Em 2002, haviam 170 fontes no país. Hoje, são 375.
Fonte: Correio Braziliense Online

Nenhum comentário:

Postar um comentário