quinta-feira, 12 de maio de 2011

Mitos e verdades sobre a inflação

Quando o assunto é inflação, o cenário atual é preocupante. As discussões têm-se revelado inócuas e as medidas do governo, tímidas. Na população ganha corpo uma sensação de perda de controle do processo. O consenso sobre as origens do problema é nenhum. Tampouco quanto às medidas para combatê-lo. O resultado é uma espiral crescente de preocupações, alimentada por uma onda generalizada de aumentos nos setores de alimentos, serviços, produtos manufaturados e custos administrados pelo governo. Vivemos em um ambiente fértil para proliferar todo o tipo de visões catastróficas. A hiperinflação vai voltar. Os preços estão fora de controle. Os alimentos vão sumir dos supermercados. O confisco da poupança pode voltar. Existem catástrofes à vista para todos os gostos e tendências no imaginário popular.

Temores e insegurança trazidos por uma inflação crescente são veículos ideais para ressuscitar na mente da população os momentos difíceis vividos em décadas passadas até a chegada do Plano Real. Falta de alimentos, aumentos desenfreados de preços, intervenção na poupança, sequestro de gado no campo e outras práticas e situações pouco amistosas. Nascido em fevereiro de 1994 o Plano Real, ainda em sua fase adolescente, apresenta características evidentes de envelhecimento precoce, exigindo uma plástica reparadora. O Brasil do Real não tinha reservas internacionais. A taxa de desemprego era o dobro da atual. O mercado consumidor estava estagnado. A lei de responsabilidade fiscal não existia. Os bancos estaduais eram ferramenta de geração de caixa a governos estaduais perdulários. O governo arrecadava 27% do PIB. Nossa moeda estava desvalorizada. As reservas externas eram de cerca de US$ 30 bilhões. O saldo da balança de pagamentos era próximo de zero.

O quadro atual é profundamente diverso. Portanto, alguns princípios modelares do plano já não são mais tão eficazes como foram no passado. Caso típico da taxa SELIC. Para recuperar os atributos visuais do Plano Real, recomenda-se a aplicação de botox para acabar com as rugas incorporadas pelas deformações de propósitos incluídas ao longo do tempo em sua concepção original. Três pontos merecem destaque: em primeiro lugar, a taxa básica de juros perdeu sua efetividade como instrumento regulador da pressão inflacionária. O segundo ponto é que trocamos a formação de uma poupança interna pela venda de títulos públicos atrelados à Selic, captados a custos estratosféricos. O terceiro ponto é que, com a crise do sub-prime em 2008, a saída foi incrementar os gastos públicos e desonerar a carga tributária. A partir daí, o ufanismo cingiu o semblante dos políticos.

Situação semelhante ocorreu em 1973. O mundo vivia a primeira crise do petróleo e nossos governantes faziam planos mirabolantes. O Brasil era uma ilha de prosperidade. A perspectiva econômica ufanista nos levou a uma tremenda inflação, controlada só vinte anos depois. Hoje, o sobrepeso do Estado sobre a economia compromete seriamente a eficiência das medidas corretivas. Vivendo à custa de uma dieta rica em calorias, proporcionada por uma concepção de Estado onipresente e clientelista, só temos conseguido aumentar o déficit nas transações correntes em relação ao PIB. De positivo em 0,8%, em 2003, para negativo em 2,3%, em 2010. Considerados os ajustes contábeis.

Medida saneadora seria a realização de uma lipoaspiração para eliminação das gorduras localizadas. Para maior eficiência, tal procedimento precisaria ser acompanhado de cirurgia de redução do estômago para limitar o ímpeto de um Estado voraz, que consome quase metade de tudo o que se produz no País. Em cirurgias desse tipo é sempre possível uma recaída. Para evitá-la, recomenda-se que o Estado livre-se rapidamente das áreas de infraestrutura, reduzindo seu apetite por verbas, cargos e tentações inomináveis às quais a montanha de dinheiro de seus orçamentos expõe os dedicados funcionários. Privatizar aeroportos, ferrovias, portos, rodovias e hidroelétricas seria bastante saudável.

Para mantermos uma dieta menos calórica, recomenda-se a contratação de administradores com experiência comprovada nas diferentes áreas de atuação, dispensando desse trabalho milhares de gestores políticos despreparados, que fingem gerir mais de um trilhão de reais a cada ano, fruto do trabalho suado dos brasileiros. Somente com a aplicação dos conceitos de produtividade e qualidade poderemos nos livrar da falta de competência gerencial.

A situação atual não pode ser creditada a um governante específico. Tampouco, as medidas devem ser aplicadas a um ministério em especial, órgão ou empresa do governo. Devem fazer parte de uma reengenharia na forma de administrar, entender o País e projetar o futuro. Uma oportuna revisão do Plano Real poderia representar o necessário PAC da Economia para equacionarmos e colocarmos em ação algumas questões críticas do Brasil, para que não venhamos a passar vexame nos eventos de 2014 e 2016.

Neste conjunto de situações, não é menor a responsabilidade de milhões de eleitores que, ano após ano, a partir de visões locais, interesses regionais ou partidários, outorgam cargos e grandes responsabilidades a políticos desqualificados. Alguns dirão ser esse o preço da democracia. Caso seja esse seu entendimento, pare de se preocupar com a inflação, viva feliz e sem reclamar da incapacidade até agora demonstrada pelo governo de adotar as medidas necessárias.

. Por: Carlos Stempniewski, mestre pela FGV, administrador e consultor, é professor de economia e política das Faculdades Integradas Rio Branco.

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